As aventuras dos corretores que procuram áreas para a construção de novos prédios em São Paulo
Com a explosão do setor imobiliário na cidade, a quantidade de novos apartamentos
e residências surgidos por aqui aumentou 60% entre 2005 e 2007. Desde
então, o negócio vem se mantendo sempre acima da marca de 30.000
lançamentos por ano. Em 2011, mesmo com o desaquecimento da economia,
devem ser inauguradas por volta de 38.000 unidades, o que dá ao mercado
um ritmo impressionante de quatro novos imóveis a cada hora. Mais
espantoso que isso é como são encontradas áreas para erguer tantas obras
numa metrópole já abarrotada de construções. Boa parte do milagre
ocorre devido ao trabalho de um grupo de especialistas que ganha a vida
caçando terrenos. Atuam na capital cerca de 200 perdigueiros, como a
turma ficou conhecida no meio.
O apelido faz todo o sentido. Os
profissionais de faro apurado e disposição quase inabalável vivem em
busca de oportunidades em áreas desocupadas e, não raro, demonstram o
dom de criar espaços. Enquanto a maioria das pessoas passa por um
quarteirão e só vê um punhado de sobrados antigos, por exemplo, eles
enxergam a chance de ouro para botar tudo aquilo abaixo e dar lugar a um
moderno condomínio. “Sem esse trabalho quase anônimo, muitos projetos
não sairiam do papel”, afirma Roberto Coelho da Fonseca, diretor-geral
de vendas da imobiliária Coelho da Fonseca. Há seis meses, a empresa
criou um departamento exclusivo para abrigar nove especialistas em
garimpar áreas para futuros empreendimentos.
Um perdigueiro
típico atua praticamente em tempo integral e não desliga a antena nem
nos momentos de folga. A maioria trabalha por conta própria, no esquema
freelancer. O restante faz parte do quadro de imobiliárias
e empreiteiras. “Prefiro ser chamado de chato a perder uma
oportunidade”, diz o empresário Alexandre Lafer Frankel, sócio da
incorporadora Vitacon, no Jardim Paulistano,
e caçador de muitas das áreas que transforma em empreendimentos. Certa
vez, ele saiu no meio de um almoço de Dia das Mães para ver um terreno
que um dos presentes comentou ter vontade de vender. Dias depois, o
martelo acabou batido por cerca de 7 milhões de reais para a venda do imóvel
em questão, uma área de 1.200 metros quadrados no Morumbi. “Precisamos
estar sempre alertas”, explica ele, que divide o escritório com seus
irmãos André e Ariel Frankel.
Numa viagem de avião recente para
Nova York, André e Ariel sentaram-se ao lado de um empresário e puxaram
conversa oferecendo uma barra de chocolate. No meio do papo, o
desconhecido contou que desejava negociar um terreno entre as avenidas Paulista e Faria Lima. “Nossos olhos brilharam”, conta Ariel. Logo eles fecharam o acordo e passaram a área para a frente.
Esse ofício exige visão de gavião e paciência de monge tibetano. Os
maiores contratos raramente são concluídos antes de seis meses. Alguns
deles podem se arrastar por mais de dois anos, dependendo da
complexidade do caso e dos valores envolvidos. Em 2001, um grande rolo
apareceu na frente do corretor Miro Lisoni. O episódio envolvia a venda
simultânea de 25 casas numa área do bairro de Pinheiros para uma empresa que queria o terreno dos imóveis para construir um prédio comercial.
Após muita negociação, finalmente chegaram a um consenso e marcaram a
data para a assinatura do contrato com todo o grupo. “Na última hora,
uma pessoa rompeu o acordo e pediu mais que o combinado”, lembra Lisoni,
que começou a ter pesadelos vendo escorrer pelas mãos uma comissão de
cerca de 450.000 reais. Dois dias depois, com os ânimos devidamente
acalmados, a turma se reuniu novamente e o compromisso foi selado.
Sufoco parecido ocorreu com Piero Sevilla, sócio da Adoke, companhia
especializada nesse mercado. Em setembro, ele precisou conversar com 108
pessoas para arrematar doze casas no bairro de Santana. No grupo, nada
menos que 26 nomes eram da mesma família. “Havia irmãos brigados que não
quiseram ficar na mesma sala nem para assinar os papéis”, recorda.
Os alvos mais cobiçados são locais com mais de 2.000 metros quadrados,
tamanho mínimo exigido pelas construtoras para erguer um prédio. O custo
de uma área dessas, dependendo da localização, pode ficar em torno de
10 milhões de reais, e o vendedor recebe uma comissão de 3% a 5%, ou
seja, entra no seu bolso algo entre 300.000 e 500.000 reais. A bolada
faz valer a pena todo o esforço gasto na longa operação de convencimento
dos proprietários. “Atuar nesse ramo está cada vez mais complexo, pois
tudo o que era fácil já foi comercializado”, lamenta o corretor
Christian Jacques Magalhães.
Em 2004, ele largou uma carreira no
mercado financeiro e virou caçador. Um dos episódios mais frustrantes
do novo trabalho ocorreu quando estava fechando o negócio de um terreno
no centro. “Na fase final das tratativas, descobrimos indícios de um
lençol freático no lugar”, conta. Foram necessários sete meses até um
laudo constatar que o depósito estava seco e não comprometia o espaço,
tempo suficiente para os investidores desistirem da compra. “Minha
rotina ficou ainda mais estressante”, diz Magalhães.
Apesar das
dificuldades, nada parece impossível para esses Sherlocks paulistanos.
Exemplo disso foi a saga enfrentada pelo especialista Renato Siqueira,
que atuava no escritório de arquitetura Ricardo Julião quando recebeu,
em setembro do ano passado, a incumbência de resolver um problema
difícil: um cliente queria erguer um shopping popular na Avenida
Paulista, numa propriedade entre a Alameda Ministro Rocha Azevedo e a
Rua Padre João Manuel. Seria perfeito, não fosse o fato de o terreno em questão pertencer a uma ordem de freiras.
No local, havia apenas uma residência, que servira de escritório até
poucos meses antes. Apesar do estado de abandono, nada poderia ser feito
ali sem o aval de curadores de fundações religiosas, num processo que
corria o risco de se estender por anos. “Para agilizar o acerto,
combinamos alugar a área por uma década”, relata Siqueira. Resolvido o
imbróglio, as obras do novo centro de compras começaram quase
imediatamente e a previsão é que ele seja inaugurado em 2012. Em outra
ocasião, o perdigueiro freelancer Sílvio Galvão Pereira viajou diversas
vezes a Itanhaém, no Litoral Sul, para ajudar uma proprietária a
conseguir o divórcio e assim dar continuidade à venda de sua casa na
capital. “Felizmente, deu certo”, diz ele. “O problema é gastar saliva e
sola de sapato e ficar sem um tostão.”
Enquanto vivem
procurando tesouros escondidos por aí, os especialistas sonham com as
pérolas mais cobiçadas da cidade — no caso, espaços enormes e com ótima
localização, cujos proprietários resistem há anos a uma saraivada de
ofertas. Fazem parte da lista propriedades como a área de 24.000 metros
quadrados na esquina das ruas Augusta e Caio Prado, no centro. Entre
1907 e 1967, funcionou ali o Colégio Des Oiseaux, tradicional escola de
ensino exclusiva para mulheres. Segundo estimativas do mercado, os dois
lotes que compõem a propriedade valem hoje 84 milhões de reais.
A
exemplo das ações da bolsa de valores, as cotações são voláteis e podem
mudar de uma hora para outra. Desprezadas durante um longo período, as
áreas vizinhas à Marginal Pinheiros tiveram seu valor elevado nos
últimos anos. O engenheiro Walter Torre Junior, proprietário da
construtora WTorre, comprou em 2006 aquele que era considerado um dos
maiores micos da cidade, o terreno onde estava o esqueleto da
Eletropaulo, quase na esquina da via expressa com a Avenida Presidente Juscelino Kubitschek
Gastou, na ocasião, 400 milhões de reais. Completada a construção,
vendeu-a dois anos depois ao Santander por 1 bilhão de reais. O banco
fez dela a sua nova sede. “Namorei o endereço por anos, pois sabia que
ali havia uma oportunidade”, revela o empresário, que ergueu ao lado
outra torre de escritórios e o futuro shopping JK Iguatemi. “Ninguém
acreditava na minha aposta.”
Na rotina dos caçadores, a
descoberta de uma pepita no mar imobiliário da cidade, muitas vezes, é o
primeiro capítulo de uma novela. Grande parte da energia dos
profissionais acaba sendo direcionada para os passos seguintes do
processo, que envolvem o convencimento do proprietário sobre a
conveniência da venda. O executivo Otávio Zarvos, da incorporadora
Idea!Zarvos, perdeu a conta dos cafés que tomou com a dona de uma casa
que ficava bem no meio de um terreno onde pretendia construir, na Vila Madalena.
“Ela pedia um valor altíssimo, pois achava que não tínhamos
alternativa”, afirma Zarvos. Quando viu que o empreendimento sairia de
qualquer maneira, a proprietária resolveu aceitar a oferta inicial.
Tarde demais. A casa continua no mesmo lugar e atualmente está cercada
por todos os lados pelo edifício da Zarvos. “Espero até três meses para a
pessoa se decidir. Passado esse período, começamos a desenvolver o
projeto”, diz o empresário.
À frente do departamento da Coelho
da Fonseca criado para buscar terrenos, a corretora Elizabeth Pascotto
já encaminhou 25 áreas a construtoras e aprendeu a lidar com ânimos
acirrados. “O primeiro passo é mostrar respeito pelo lugar onde a pessoa
mora e, em seguida, aguçar seu desejo de mudar”, conta. Foi assim que
convenceu a dona de casa Francisca da Conceição a vender recentemente
sua residência no Brooklin.
Arredia no primeiro contato, ela foi cedendo até chegar a um
entendimento. O dinheiro da venda serviu para comprar um caminhão para o
marido, que trabalha como motorista, e procurar um imóvel melhor para a
família. Na Vila Mariana,
uma negociação da Lindencorp quase emperrou por causa de um inquilino, o
Abrigo Vovó Ilza, responsável por mães adolescentes. Sem poder ir para
outro bairro, o que prejudicaria o trabalho da entidade, a ONG recorreu à
incorporadora para achar uma nova sede. Deu certo: está de malas
prontas e se mudará neste mês para alguns quarteirões adiante.
Publicado por Veja São Paulo.
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